Vou contar uma história para vocês. A história de um processo trabalhista que dura já incríveis 35 anos e que permanece sem solução. Sou testemunha desta história incrível. Vocês podem duvidar que um processo possa demorar tantos anos e continuar com a dívida não paga, mas é a mais pura verdade.
O processo foi ajuizado em dezembro de 1989, máquina de escrever. Máquina de escrever, vocês sabem o que é isto? A petição inicial foi feita com máquina de escrever. Computador era ficção científica nesta época. E o processo atravessou décadas de evolução tecnológica. As folhas de papel que eram datilografadas foram substituídas pelo processo judicial eletrônico. O que era físico virou virtual.
Tudo eletrônico, tudo virtual. Ou quase tudo eletrônico, quase tudo virtual. Os trabalhadores permaneceram pessoas humanas, não se transformaram em projeções da virtualidade da inteligência artificial. Os homens continuam homens. O processo, no entanto, tratou de desumanizar os autores da ação, tratou de tirar seus rostos, suas dores, doenças, mortes que aconteceram no decorrer da ação. O processo que não vê rostos, não vê dores, doenças, as mortes dos autores da ação, trata apenas de tornar o direito um nada, uma ficção científica, tal qual eram os computadores na época do ajuizamento da ação. A justiça transforma o processo em um procedimento, em uma série de atos formais que podem ser repetidos e repetidos e repetidos como um mito de Sísifo moderno.
Conhece a história de Sísifo? Conta a mitologia grega que Sísifo foi punido pelos deuses, sendo condenado a rolar eternamente uma enorme pedra até o topo de uma montanha, apenas para vê-la rolar de volta quando está prestes a alcançar o ponto mais alto da montanha. Essa tarefa incessante e sem propósito é a tradução de um processo judicial que dura mais de 35 anos e agora tem mais um capítulo de um recurso apresentado pelo devedor para ver a pedra rolar de volta do alto da montanha.
E a justiça que desconhece o tempo do processo, o caráter alimentar do processo trabalhista, as dores, as doenças e as mortes de vários dos trabalhadores que eram beneficiários da ação, permite complacente e indiferente que Sísifo siga rolando a pedra, sem propósito nenhum, apenas pelo prazer de ter o tempo a seu favor, apenas pelo prazer de esperar o tempo transcorrer, apenas pelo prazer de ver a pedra rolando.
Eu já poderia não ter mais nada de novo para contar, já poderia só falar de minhas lembranças, de tantos caminhos que já fiz. Mas, ainda me resta um pouco de esperança, um pouco de energia, talvez um pouco de revolta, para dizer que um processo não é apenas uma peça de ficção, um processo tem pessoas que esperam sua solução, um processo tem gente por trás dele, seres humanos que esperam justiça. E justiça, meu amigo, se faz com o que o homem tem de melhor, com alma, e com os olhos bem abertos.
Todo processo tem uma história. E toda história tem um rosto. Diante disso, o nosso escritório, há mais de quatro décadas, optou por enxergar quem está por trás de cada ação. Porque todo trabalhador merece respeito, dignidade e justiça feita com humanidade.
Você precisa de orientação jurídica sobre questões trabalhistas? Nossa equipe de advogados está à disposição para conversar sobre o seu caso.
Entre em contato conosco clicando aqui.
Escrito por Antônio Vicente Martins, sócio do AVM Advogados
Imagem: IA