Tribunal holandês reconhece que entregadores da Deliveroo são empregados da plataforma, destacando a autoridade exercida por meio de algoritmos

03 de Março, 2021 Direito Trabalhista
Tribunal holandês reconhece que entregadores da Deliveroo são empregados da plataforma, destacando a autoridade exercida por meio de algoritmos

O Tribunal de Apelação de Amsterdam (Gerechtshof Amsterdam) reconheceu que o contrato firmado entre os entregadores e a plataforma Deliveroo trata-se de um contrato de emprego, em decisão prolatada em 16 de fevereiro de 2021, ratificando entendimento do Tribunal Subdistrital (Kantonrechter) proferido em janeiro de 2019. A ação coletiva foi proposta pela FNV (Federação Nacional de Sindicatos Holandeses), e discorreu acerca da gestão do trabalho e demais elementos que perpassam o vínculo entre os trabalhadores que prestam serviços de entrega e as plataformas que gerenciam as demandas.

No decorrer da análise, os contratos pactuados desde 2015 – quando a Deliveroo passou a atuar em território holandês – foram estudados, dando-se especial atenção às novas formas de controle do trabalho, como a utilização de GPS para rastrear os entregadores. Além disso, a bonificação de trabalhadores a partir de critérios como quantidade de entregas e regiões, bem como a determinação unilateral do valor das entregas/salário (loon) a ser recebido pelos entregadores, englobaram o exame realizado pelo Tribunal.

A plataforma, responsável por conectar restaurantes independentes, clientes e entregadores, negou qualquer vínculo de emprego e afirmou tratar-se de mera empresa de Tecnologia da Informação, afirmando que a realização de entregas não seria sua principal atividade. Todavia, a partir dos elementos destacados pela FNV, o Tribunal frisou que no site da Plataforma encontrava-se disponibilizado vídeo de marketing intitulado “Entrega de refeição é o coração da nossa organização” (Maaltijdbezorging is het hart van onze organisatie), fazendo o próprio nome da empresa – Deliveroo –, referência ao serviço de entregas. Desta forma, restou reconhecido que os trabalhadores vinculados à entrega de refeições guardam posição central no desenvolvimento do negócio da empresa.

Ainda quanto à posição destes trabalhadores dentro da organização, discutiu-se a apresentação – isto é, a vida social – dos entregadores, concluindo-se que, embora as empresas insistam em uma narrativa de empreendedorismo, empurrando a responsabilidade do negócio à força laboral, os clientes e os restaurantes mantêm percepção de que os entregadores fazem parte da Deliveroo, não tratando-se de trabalhadores autônomos. A título de exemplo, os trabalhadores encontram-se identificados como pertencentes aos serviços da Deliveroo, bem como eventuais reclamações acerca do atendimento de um entregador são reportadas à empresa de plataforma.

Ao tratar dos elementos para a caracterização dos entregadores enquanto empregados (in dienst), destacou-se a existência de uma “relação de autoridade” (een gezagsrelatie). Nesse sentido, ressalta-se que o algoritmo utilizado pela empresa de plataforma – o algoritmo “Frank” – armazena e processa dados dos trabalhadores, não estando claro se tais informações limitam-se à localização geográfica dos entregadores, ou também abrangem outros aspectos, como o tempo levado por cada trabalhador para desempenho de uma demanda. Observa-se, ainda, que é o algoritmo que distribui e gerencia as demandas dos entregadores.

Assim, embora o Tribunal tenha identificado uma maior liberdade na execução das tarefas – como a “escolha” das rotas –, esta liberdade não é absoluta, vez que a tendência é que o entregador escolha o trajeto mais seguro e rápido. Ademais, essa liberdade não é incompatível com o reconhecimento da relação de emprego, sendo citado, a título de exemplo, os caminhoneiros assalariados. Quanto à possibilidade de rejeitar demandas e a utilização do sistema SSB – que possibilita o “livre” login dos entregadores –, a FNV alega que não há clareza sobre a total inexistência de consequências adversas ao trabalhador que rejeitar demandas quando está conectado à plataforma ou que passar muito tempo ser prestar serviços.

Por fim, o Tribunal holandês ressaltou a adaptação constante do algoritmo “Frank”, que mantém um grande envolvimento com a forma como as atividades dos entregadores são desempenhadas. Portanto, reconheceu-se que há circunstâncias suficientes para a caracterização da relação de emprego entre a Deliveroo e os seus entregadores, tendo em vista o método de pagamento dos serviços prestados e a possibilidade de extensão da autoridade por meio do GPS e do algoritmo.

Dentre os elementos analisados no julgamento perante o Tribunal de Apelação de Amsterdam, atenta-se à relevância da investigação acerca das possibilidades de manutenção da “autoridade” – que, em certa medida, pode ser compreendida como a “subordinação” em nosso ordenamento jurídico – mediante algoritmos. O trabalho explorado mediante plataformas digitais, assim, abre a importante discussão sobre as novas formas e técnicas de gestão do trabalho, em que restam pulverizados os tradicionais mecanismos de controle, contudo, o trabalhador permanece sob a gestão da empresa que maneja sua força laboral à serviço dos interesses da plataforma. O escritório AVM Advogados Associados encontra-se à disposição para maiores esclarecimentos acerca dos desafios enfrentados e a tutela de direitos no contexto do trabalho em plataformas.

Decisão disponível em: https://uitspraken.rechtspraak.nl/inziendocument?id=ECLI:NL:GHAMS:2021:392. Acesso em 18 fev. 2021.

Texto por Dra. Julise Lemonje- AVM Advogados

Imagem: Freepik

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